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Cinema: Hostis (2017) 8.0

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Um duelo silencioso entre dever, perda e vontade. O longa abstraído de Scott Cooper

Publicado em 2025-09-27 por Rafael G. Aires
HostisDirigido por: Scott CooperFaroeste, Drama, Aventura+182h 20m

No final do século XIX, nativos americanos e colonizadores dos Estados Unidos brigam por espaço e sobrevivência nos imperdoáveis territórios do oeste do Novo México selvagem. A história acompanha Joseph Blocker, um marrento (mas confiável) capitão do exército interpretado por Christian Bale, encarregado contra sua vontade de escoltar um famoso chefe Cheyenne à beira da morte, Yellow Hawk (Wes Studi), juntamente com o restante da sua família, de volta para suas terras tribais em Montana. Este é Hostis, um faroeste brutal e, ao mesmo tempo, introspectivo, dirigido por Scott Cooper, que tem por objetivo mergulhar sua audiência na desolação moral da fronteira americana da época. Aqui, a violência infligida tanto por nativos quanto por colonizadores é posta à mostra e despida de qualquer pretensão ao romance, trazendo à tona a brutal honestidade e urgência que muitas vezes são perdidas nas representações mais clássicas e romantizadas do velho oeste americano.

Imagem Cinemascope

"Entenda isto: quando abaixamos nossas cabeças aqui, somos todos prisioneiros." —Blocker

A primeira parte do filme fica encarregada de estabelecer a tensão e a desconfiança, que logo de início são feitas presentes na assinatura do seu enredo e personagens. Blocker, um homem assombrado por vários anos de conflitos e disputas sangrentas com os nativos, não esconde o desprezo que tem pela missão e por Yellow Hawk, seu antigo inimigo de guerra. A jornada do grupo começa sob esse antagonismo, com Blocker e o seu destacamento mantendo os prisioneiros Cheyenne sob constante vigilância, enquanto permanece atento a qualquer nova ameaça que possa surgir no caminho. Ainda nos primeiros dias de viagem, o grupo encontra Rosalie Quaid (Rosamund Pike, sempre habilidosa, entrega aqui outro trabalho digno de elogios), uma mulher traumatizada que testemunhou o massacre brutal de sua família por guerreiros Comanche — mais cedo nas primeiras cenas do filme. Este encontro inesperado adiciona ainda mais uma camada à dinâmica da expedição e do grupo, que já era suficientemente complexa até então.

À medida em que a caravana vai avançando por meio das paisagens deslumbrantes, mas impiedosas, do oeste americano, ameaças surgem tanto do próprio ambiente hostil em que eles se encontram como de outras fontes mais pessoais. Cooper filma essas vastidões com um olhar carregado de contemplação que contrasta muito bem com a brutalidade das interações humanas, permitindo que o silêncio e a paisagem contem tanta história quanto os diálogos, muitas vezes contidos e igualmente contemplativos, dos próprios personagens. É interessante notar que, embora marcante, esse mesmo cenário foi palco de estresse e de dificuldades por parte da equipe de gravações, visto que raios ameaçaram a segurança de atores e técnicos mais de uma vez durante as filmagens em Angel Fire, Novo México, onde o filme é ambientado.

Imagem Cinemascope

"Se eu não tivesse fé, o que eu teria?" —Rosalie

Se existe algo capaz de amarrar todos esses elementos de uma forma limpa e concisa, é a trilha sonora composta por Max Richter: o mesmo homem por trás de A Chegada (2016) e The Leftovers (2014-2017). Sua música evita o exagero típico de filmes análogos e trabalha de forma “escondida”, com cordas e notas longas que flutuam sobre as paisagens e os silêncios dos personagens. Em vez de atestar a favor da violência ou do heroísmo, a trilha reforça o peso moral e o desgaste emocional das jornadas vividas por cada um deles, funcionando mais como uma extensão da paisagem em que eles estão inseridos do que como um acompanhamento externo propriamente dito.

No centro de tudo isso, Christian Bale entrega uma atuação mais retraída, mas mesmo assim intensa. Ele constrói Joseph Blocker como um homem amargurado, endurecido por anos de brutalidade, mas que carrega rachaduras emocionais sob essa superfície — algo que fica claro nos olhares longos e nos pequenos gestos, mais do que em qualquer cena de ação. Essa combinação de música e interpretação ajuda a sustentar a dimensão introspectiva do filme e a dar profundidade a um faroeste que não apenas conta uma história, mas sente o peso dela. Em Hostis, não existe uma única moral binária, ou uma verdade final, mas a pretensão do estudo sobre o complexo legado genocida, vingativo, e ainda talvez, a possibilidade de reconciliação em meio a uma terra marcada por conflitos que atravessam gerações.

Rafael G. Aires

Leitor, escritor, desenvolvedor, criador do Quatro Parágrafos.