Um dos trabalhos menos visitados da vasta e impressionante carreira de Adrien Brody, O Substituto, escrito por Carl Lund e dirigido por Tony Kaye; o mesmo diretor de American History X (1999); conta a história de um professor desiludido, Henry Barthes, que anda por escolas públicas de bairros problemáticos nos Estados Unidos sem nunca se estabelecer em nenhuma delas. Carregado de traumas pessoais acumulados na infância e de uma profunda sensação de alienação em relação ao mundo, Barthes chega a uma nova instituição de ensino marcada pela violência, pelo abandono emocional dos alunos, e, talvez ainda mais preocupante, pela apatia generalizada de seus próprios docentes. À medida que ele tenta manter uma distância profissional, Barthes se vê gradualmente envolvido com os desafios diários dos seus estudantes, suas fragilidades e suas buscas por realização, tornando-se mais um ator afetado por um sistema educacional em colapso. Um detalhe interessante vai para o título original do filme, “Detachment” (desapego), que funciona e expressa muito bem a ideia que circula a atmosfera geral da trama, e que afeta de maneira direta todos os seus personagens. “Eu nunca me senti tão profundamente e ao mesmo tempo tão distante de mim mesmo e tão presente no mundo”, é a frase de abertura do filme escrita por Albert Camus, filósofo absurdista francês do século XX, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura.
"Eu sei o quanto é importante ter orientação e ter alguém que lhe ajude a entender as complexidades do mundo em que vivemos. Eu não tive isso quando era criança." —Barthes
Seguindo a frase de Camus, ainda nas cenas iniciais do longa, somos apresentados a uma espécie de entrevista entre diversos professores, muitos dos quais admitem não terem escolhido o magistério como primeira opção: “Minha mãe era uma professora, e eu sabia, sem sobra de dúvidas, desde pequena, que o único trabalho que eu não queria para mim era ser professora”, diz uma das educadoras. Outros relatos continuam em tom menos melancólico, embora todos carreguem uma certa qualidade de deslocamento, um mecanismo usado por Kaye para demonstrar o próprio desamparo sentido por aqueles que deveriam ser os pilares de uma sociedade, homens e mulheres que, por motivos diferentes, foram parar na sala de aula.
Ao longo dos seus dias na Escola Secundária de Mineola, Barthes acaba explorando laços inesperados que vão na contramão da sua filosofia de vida e de sua mentalidade desapegada. Com destaque para uma jovem prostituta chamada Erica (Sami Gayle) a quem ele oferece abrigo numa tentativa de lhe devolver alguma dignidade, personagem que lhe acompanha pelo restante da trama, assim como Meredith (Betty Kaye), uma estudante reclusa mas muito sensível ao ambiente em que eles ocupam. Soma-se a isso a figura de seu avô, um homem doente já nos últimos dias de vida, tomado pela demência, que representa o terceiro ponto nessa rede de pessoas responsáveis por trazer a atenção do professor de volta para os problemas que realmente importam, levantando questões até então dormentes, que corriam em “segundo plano” na mente de Barthes.
"Temos a responsabilidade de orientar os nossos jovens para que eles não acabem se desfazendo, jogados pelos cantos, se tornando insignificantes." —Barthes
Capturado em tons frios, ambientes apáticos, e planos intimistas — longos momentos com a câmera bem próxima dos personagens, no seu rosto, ou em partes dele — Tony Kaye constrói com Carl Lund, que também é um professor na vida real, o clima opressivo da narrativa. Algumas de suas escolhas criativas, como as caminhadas noturnas sem destino de Barthes pelas ruas desertas da cidade enquanto recita textos famosos de Poe e Whitman, servem como janela para sua mente e nos trazem para mais perto do personagem. Percebido na montagem fragmentada, sequências na sala de aula, no seu apartamento, ou nas entrevistas documentais, o filme toca em temas que são tão vastos e complexos que seriam impossíveis de serem concluídos em sua duração. Portanto, O Substituto não tenta respondê-los, mas levantar questionamentos fundamentais acerca da educação que vão desde a relação entre pais e filhos em casa (a mais importante segundo o próprio Adrien Brody em entrevista) até a falta de articulação do estado e seus representantes, que seguem ignorando, por gerações, a complexidade deste tema e suas inúmeras camadas.